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Importam-se de acordar para a realidade do país?

Caros Marcelo Rebelo de Sousa, Eduardo Ferro Rodrigues, António Costa e Rui Rio, importam-se de acordar rapidamente para a realidade social, económica e financeira do país e tomar consciência da tragédia que nos atingiu?
18 Ago. 2020
Importam-se de acordar para a realidade do país?
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José Gomes Ferreira in SIC Só tomando consciência da realidade que nos cerca é que poderemos começar a tomar medidas para a melhorar. Se nem sequer somos capazes de reconhecer a natureza da dimensão dos problemas que temos, não podemos esperar que se resolvam de forma sustentável e duradoura. Os problemas que temos medem-se pela fome que já se vive em Portugal. Se não fossem as ajudas do Banco Alimentar, das misericórdias, das...

José Gomes Ferreira in SIC

Só tomando consciência da realidade que nos cerca é que poderemos começar a tomar medidas para a melhorar. Se nem sequer somos capazes de reconhecer a natureza da dimensão dos problemas que temos, não podemos esperar que se resolvam de forma sustentável e duradoura.

Os problemas que temos medem-se pela fome que já se vive em Portugal. Se não fossem as ajudas do Banco Alimentar, das misericórdias, das IPSS, das igrejas com destaque para a Católica, das câmaras municipais, das juntas de freguesia, dos autarcas e dos milhares de voluntários distribuidores e dadores, a situação social já se teria tornado explosiva em muitas cidades, vilas e bairros do país.

Os problemas que temos medem-se pelo elevado valor da ajuda pública (com dinheiro que o Estado não tem e para isso pede emprestado nos mercados financeiros), para compor o rendimento das famílias que tiveram de ficar em lay-off ou já perderam os empregos, bem como pelas moratórias aos impostos e às prestações aos bancos, que as famílias teriam de estar a pagar e que em breve irão voltar a pagar, juntamente com a parte acumulada desses pagamentos diferidos.

Os problemas que temos medem-se pelo índice de risco de falência de centenas de milhares de empresas nacionais, até agora mantidas com o regime de lay-off simplificado e pelo programa que o substitui, bem como pelas moratórias fiscais e bancárias de que ainda estão a beneficiar, mas que acabam em breve.

Os problemas que temos medem-se pelo gigantesco volume dos empréstimos bancários garantidos a 80 ou 90 por cento pelo Estado, que mais cedo ou mais tarde vão desencadear o acionamento dessas garantias por parte dos bancos, fazendo subir ainda mais a já descomunal dívida pública portuguesa.

Os problemas que temos medem-se pelo ritmo crescente de entrega de casas aos bancos por parte de milhares de famílias que já não conseguem suportar as responsabilidades dos empréstimos. E pelo número crescente de empresas que já registam incidentes de crédito, desde as mais pequenas falhas de pagamentos até à declaração de impossibilidade total de assumir as suas responsabilidades financeiras.

Os problemas que temos medem-se pelos alertas de cada vez mais especialistas sobre uma nova e profunda crise bancária que se está a formar em Portugal e por toda a Europa, podendo levar à acumulação de mais de 800 mil milhões de euros de crédito malparado, a curto, médio prazo.

O problema maior do país cabe numa frase simples: desapareceu 10 por cento do nosso PIB anual em 2020, e não há maneira de o voltar a recuperar por completo em 2021. A maior parte deste PIB era composto por exportações sob a forma de serviços de turismo prestados a estrangeiros, bem como transporte aéreo, restauração, organização de conferências e demais atividades associadas.

Esta parte do PIB desapareceu e não volta tão cedo, porque o mais certo é não ser possível acabar com os novos surtos e termos de enfrentar uma segunda vaga da pandemia antes de estar disponível uma vacina ou um novo tratamento rápido e eficaz.

Em consequência, aumentaram os apoios sociais distribuídos pelo Estado e baixaram drasticamente as receitas em impostos e contribuições para a segurança social. Em espelho invertido com o PIB, o défice das contas do Estado inchou que nem um balão e está prestes a rebentar numa nova crise de financiamento público.

Numa altura em que é urgente discutir formas de cooperação institucional e definir o que queremos coletivamente para recompor o perfil da nossa economia, chamando à mesma mesa Patrões, Sindicatos, Governo, Oposição, Deputados, Partidos, Universidades e Especialistas, para encarar o problema de frente, o que vemos?

Vemos uma taxa de desemprego artificialmente diminuída por regras contabilísticas inovadoras, enquanto baixa a população ativa e sobe exponencialmente a população inativa;

Vemos o saldo das contas externas do país a degradar-se rapidamente com a manutenção de um volume elevado de importações, enquanto as exportações caíram a pique.

Vemos vários setores da agricultura, agro-indústria, indústria transformadora e serviços, com estrutura empresarial pequena e média, a serem ultrapassados no acesso a fundos estruturais e a créditos bancários pelos grandes projetos da economia não transacionável e do compadrio com a política.

Vemos um plano para "salvar” a economia nacional encomendado a um especialista que pisca o olho à esquerda e à direita, ao setor publico e ao privado, quer apostar nas empresas do regime concorrencial, mas acaba por destacar a importância das grandes obras públicas, ferrovias, portos e plataformas logísticas;

Vemos um plano estratégico que, por ser tão abrangente e ambicioso, cria as próprias condições para nunca ser aplicado.

E vemos um Presidente da República, um Presidente do Parlamento, um primeiro-ministro, um ministro das Finanças e um líder da oposição aparentemente alheados da gravidade deste momento importantíssimo da nossa vida coletiva. Sendo que o advérbio de modo "aparentemente” comporta um sério problema nacional: seja real ou não, este aparente alheamento dos responsáveis políticos contagiou a sociedade portuguesa e eliminou o sentido de urgência em encontrar soluções rápidas para a crise social, económica e financeira em que estamos mergulhados.

Enquanto os mais altos responsáveis da nação não acordarem deste alheamento, vamos todos continuar adormecidos, deixando escoar o tempo mais precioso para preparar o futuro do país.
Fonte:SIC
Autor: José Gomes Ferreira in SIC
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